Alguns diretores de cinema, mais que comandar a equipe por trás das câmeras, querem contar boas histórias, sempre com um elemento autoral, que faça com que seus filmes sejam uma extensão deles mesmos, seja pelo estilo de filmarem, pelos temas abordados ou pelo elenco escolhido com base em favoritos. Sam Raimi é um desses diretores de cinema que se preocupam, antes de qualquer coisa, em contar divertidas e aterrorizantes histórias na tela.
Um cineasta com espírito de criança, querendo se divertir com seus filmes, assim como Steven Spielberg ou Quentin Tarantino, procurando mostrar para o público suas ideias mais loucas, da forma mais criativa possível. Como outros mestres, ele nem sempre é compreendido por todos, mas com certeza, tem uma legião de fãs, que admiram e cultuam sua obra.
Samuel Marshall Raimi nasceu em Franklin, Michigan, no dia 23 de outubro de 1959. Ainda criança, ganhou uma câmera “8mm” com a qual fazia seus filmes caseiros, com roteiros e planos criados por ele mesmo, ao lado dos amigos Bruce Campbell e Robert Tapert. O cinema era uma paixão para o jovem “Sammy”, principalmente as comédias dos “Três Patetas”, que acabaram se tornando referências em muitos de seus trabalhos como cineasta nos anos seguintes. Ele era fã de nomes consagrados do cinema como Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, Wes Craven, John Carpenter, Steven Spielberg e Roger Corman.O quarto de cinco irmãos, ele cresceu sob os preceitos do judaísmo conservador, adquirido de sua herança russo-húngara, tinha outra paixão: os quadrinhos, principalmente, as aventuras do Homem-Aranha. Mal sabia o que o destino reservava para ele.
O primeiro trabalho oficial de Sam Raimi como roteirista e diretor, considerado sua estreia no cinema, foi com o curta-metragem “Within the Woods”, de 1978, ao lado do amigo e colaborador Bruce Campbell, que viria a se tornar um dos seus atores preferidos ao longo de sua filmografia. A história de terror foi o ponto de partida para o primeiro longa-metragem de Raimi, lançado três anos depois, “A morte do demônio”, uma produção de baixo orçamento, mas com efeitos especiais e ângulos de câmera inovadores, que tornaram o filme cultuado ao longo dos anos, transformando o diretor num dos mais promissores do mercado americano.
Porém, antes que o filme alcançasse status de “cult”, ele não foi bem recebido em solo americano. Na verdade, fora desprezado por muitas distribuidoras, que não viam interesse numa produção pobre e com cenas grotescas. Isso fez com que Sam Raimi lançasse seu filme na Europa, onde foi aceito pelo público e pela crítica, recebendo além de boas críticas, diversos prêmios, inclusive, pela crítica especializada em cinema de terror. Ainda assim, em alguns países europeus, como Alemanha, Finlândia e Irlanda, o filme foi proibido devido ao seu conteúdo de extrema violência.
A grande aceitação na Europa fez com que “A morte do demônio” retornasse aos Estados Unidos como um grande sucesso comercial.
No ano de 1985, o diretor lançou “Dois heróis bem trapalhões”, novamente com Bruce Campbell atuando, numa comédia com elementos de humor negro, proporcionados pelo roteiro de Ethan e Joel Coen, hoje cultuados cineastas, justamente por esses elementos em seus filmes. Os irmãos Coen, ao lado de Raimi, construíram o roteiro desse filme e desde então, participam, sempre que podem, de projetos comuns.
Contudo, o filme não foi bem aceito e é considerado um dos “menores” na carreira de Raimi. A redenção e a consagração vieram em 1987 com a sequência de “A morte do demônio”. “Evil Dead 2”, chamado aqui de “Uma noite alucinante” rendeu ótima aceitação perante o público e a crítica por ser considerada uma versão de melhor qualidade da obra original, com praticamente as mesmas cenas filmadas novamente, mas com um apuramento maior e novos elementos, sobretudo, de comédia, remetendo aos clássicos dos “Três Patetas”.
O filme se tornou um clássico de terror moderno, assim como seu antecessor, e ainda hoje é tido como uma referência para jovens cineastas que usam e abusam de elementos criados por Raimi.
O sucesso de “Uma noite alucinante” rendeu um orçamento maior para que Sam Raimi pudesse realizar um sonho de infância, produzir um filme baseado em histórias em quadrinhos. Mas ao invés de se basear em um personagem específico, Raimi preferiu realizar uma obra original, homenageando o estilo e formato das histórias que lia na infância, além da literatura “pulp”, com histórias cheias de ação, ritmo acelerado e personagens caricatos e divertidos.
Em “Darkman – Vingança sem rosto”, de 1990, Raimi apresentou a história de um cientista que após sobreviver a um atentado, busca vingar-se dos homens que arruinaram sua vida e seu trabalho. Liam Neeson vive o personagem título e seu alter-ego, o cientista Peyton Westlake, que por meio da inteligência e dos “poderes adquiridos”, parte em sua cruzada pessoal, em sequências de ação desenfreada, como numa boa história em quadrinhos. Alguns elementos comuns aos filmes de Raimi, como a câmera acelerada e os “ângulos alucinados” estão presentes nesse filme.
“Darkman”, mesmo como orçamento maior, não é considerado como um dos maiores e mais representativos filmes de Sam Raimi, sendo cultuado mais pelos fãs do que pelo grande público. Mesmo assim, é uma excelente aventura e pode-se dizer que dá o tom e os primeiros passos para aquele que ainda é considerado como a maior produção da carreira do diretor. Mas isso é um assunto para mais adiante.
Após “Darkman”, Sam Raimi apostou na terceira parte de “Evil Dead”, lançando-se totalmente à comédia pastelão dos “Três Patetas”, mas sem perder os elementos de horror dos dois primeiros filmes. “Uma noite alucinante 3”, de 1992, é o capítulo mas pop e tresloucado da trilogia, com um Ash (Bruce Campbell) solto e aprontando todas pra cima dos mortos e espíritos malignos em plena Idade Média.
O filme é permeado por cenas cômicas e divertidas, com ótimos efeitos especiais modernos ao lado do velho e bom “stop motion”, principalmente, nas cenas com os esqueletos, numa homenagem ao mestre dessa arte, Ray Harryhausen, que trabalhou em clássicos do cinema de aventura como “Jasão e os Argonautas” e “Fúria de Titãs”, entre outros.
Deixando de lado os filmes de terror e as aventuras “cartunescas”, Sam Raimi, em 1995, investiu num gênero que não estava em alta no cinema americano, o faroeste. Em “Rápida e Mortal”, o diretor contou com um grande elenco encabeçado por Sharon Stone, Gene Hackman, Leonardo diCaprio e Russel Crowe, numa aventura sobre uma mulher linda e perigosa, numa terra de foras da lei. Mesmo não sendo um sucesso de bilheteria, o filme foi mais uma prova da criatividade e ousadia de Rami em contar uma divertida história, com uma personagem diferente para os padrões do gênero, que enfrenta seus demônios pessoais em busca de vingança. Mesmo sendo um “western”, vê-se que não foge ao estilo de Raimi.
Em 1998, ele dirigiu “Um plano simples”, mais um estilo diferente de filme, desta vez, um suspense sobre um grupo de pessoas que encontra uma fortuna roubada e passam a mudar seus próprios comportamentos uns com os outros, justamente, por causa “da grana”. Mais uma vez, bons atores no elenco, como Bill Paxton, Billy Bob Thornton e Bridget Fonda.
Continuando suas investidas em novos gêneros, em 1999, Sam Raimi dirigiu o drama “Por amor” estrelado por Kevin Costner e Kelly Preston. O filme mostra um jogador de beisebol em vias de deixar o time que defendeu há anos, além de estar prestes a perder seu grande amor.
Sam Raimi é um diretor relacionado ao terror e suspense, ou seja, ele não poderia ficar muito longe do sobrenatural por um longo tempo. Sendo assim, em 2000, ele dirigiu o suspense sobrenatural “O dom da premonição”, mais uma vez com grandes estrelas, como Cate Blanchett, Keanu Reeves, Hilary Swank e Katie Holmes, numa história de crimes, traições e morte. Não há “sangue aos baldes”, nem monstros assustadores nesse filme, mas o clima de mistério e a ambientação fria fazem com que “O dom da premonição” seja um dos bons exemplos do cinema de Raimi.
Construindo ao longo dos anos uma carreira de bons filmes, histórias envolventes e um estilo próprio, Sam Raimi foi convidado em 2002 para levar às telas um dos maiores super-heróis de todos os tempos, o espetacular Homem-Aranha. Era a época perfeita para a produção da aventura do “cabeça de teia” na telona e Raimi se mostrou como a escolha perfeita para conduzir o projeto. Nada melhor do que um fã para fazer a estreia do personagem na tela grande.
Uma das características marcantes nos filmes de Sam Raimi é a sua preocupação em valorizar os personagens e sua humanidade, salientando os dramas pessoais em detrimento aos fatos que acontecem à sua volta.
O filme se tornou um sucesso imediato por todos os fatores, elenco, história, efeitos especiais, trilha sonora, ou seja, se tornou uma das mais rentáveis produções de todos os tempos e uma das adaptações de quadrinhos mais fieis da história. A maior preocupação de Raimi nesse filme era contar uma boa e divertida história, como tudo que ele fez ao longo de sua trajetória, e seu nome se tornou uma unanimidade no quesito “adaptação de quadrinhos no cinema”. Sucesso e dinheiro não poderiam resultar em outra coisa, continuação maior e melhor a vista.
A terceira parte da trilogia foi lançada em 2007, desta vez com o máximo de efeitos especiais e planos idealizados por Sam Raimi. Contudo, “Homem-Aranha 3” não foi bem aceito pelo público e crítica, apesar de ser a maior bilheteria de todos os três filmes. Muito dessa rejeição se deu ao fato da escolha do vilão Venom, um personagem reprovado por Raimi desde o início, mas levado às telas por “sugestão” dos produtores e executivos dos estúdios.
Depois de quase uma década envolvido com as aventuras do Homem-Aranha, Sam Raimi retornou ao universo de onde nasceu, os filmes de terror. Em “Arraste-me para o inferno”, o diretor e produtor fez um “Evil Dead” com todos os recursos que tinha à disposição, tornando o filme um dos melhores e mais grotescos exemplos do chamado “terrir”, gênero que tem em Raimi como um de seus pilares fundamentais.
Esse ano, Sam Raimi lançou mais um sucesso, “OZ – Mágico e Poderoso”, o “prequel” para a história criada por L. Frank Baum. A produção da Disney trouxe um universo colorido e mágico que encanta crianças e adultos pelo mundo. Sam Raimi foi inclusive, convidado para dirigir a sequência, mas preferiu seguir com outros projetos, por achar que apenas o primeiro filme era interessante como projeto pessoal.
Ainda esse ano, o remake de “A morte do demônio” vai chegar aos cinemas, com a produção de Raimi. O filme está sendo aguardado pelos fãs do original e ao que parece, mostra-se com a mesma violência da produção dos anos 80. Tanta repercussão fez com que Raimi se interessasse em continuar nesse universo, além de produzir uma quarta parte para a sua própria saga, novamente com o herói mais canastrão do cinema, o Ash de Bruce Campbell. Francamente, eu como fã da série espero que isso se concretize.
Ao longo de sua carreira, Sam Raimi tem se dedicado a produzir filmes de terror de jovens diretores, além de uma série de produções para televisão, entre as mais conhecidas “Hércules”, “Xena – A Princesa Guerreira” e “Spartacus”, essas com a ajuda de “colegas de sempre”, como Robert Tapert, Bruce Campbell, Lucy Lawless, Ted Raimi, Joseph LoDuca. O seu trabalho mais recente como produtor lançado no Brasil é “Possessão”, de Ole Bornedal.
Muitos filmes como “Timecop”, “O alvo”, “30 dias de noite” e “Os Mensageiros” levam a marca de Raimi na produção. Os gêneros terror e suspense têm em Sam Raimi um de seus maiores defensores no mercado do cinema. Ele também fez as suas “vezes” de ator em pequenas produções, mas que se tornaram cult nas intermináveis reprises na televisão, como “Maniac Cop” e a versão para televisão de “O iluminado”. Mas o diretor e criador de histórias é sem dúvida melhor que o ator.
“O diretor daquele filme de terrir” é ainda hoje um dos mais criativos do cinema americano e mundial e continua fazendo o que melhor sabe, contar boas e divertidas histórias, mesmo que elas sejam recheadas de alguns sustos e cobertas com muito sangue. Sam Raimi é um diretor nerd, que faz filmes com conteúdo dramático e divertido para nerds, ou seja, o melhor cinema que existe e ponto final.
Algumas curiosidades sobre Sam Raimi e seus filmes:
- Em diversos filmes, há um personagem chamado “Shemp”, em homenagem a Shemp Howard, um dos integrantes dos “Três Patetas”, irmão de Moe e Curly.
- Os favoritos de Raimi são: Bruce Campbell, Ted Raimi (irmão) e JK Simmons, que participam de quase todos os filmes do diretor.
- A chamada “câmera selvagem” foi desenvolvida em “Evil Dead” e usada em vários de seus filmes.
- Faz uso de sobreposição de imagens para mostrar diversas ações ao mesmo tempo.
- Nos sets, costuma usar jaqueta e gravada, como homenagem a um de seus ídolos, Alfred Hitchcock.
- Costuma mostrar grandes relógios em cena, como em “Rápida e Mortal” e “Homem-Aranha 2”.
- Seu Oldsmobille Delta 88 (o famoso carro amarelo “clássico”) está em quase todos os seus filmes, incluindo, “Rápida e Mortal”, quando foi “transformado” em um vagão coberto.
- Seus filmes possuem cenas de extrema violência, misturadas com elementos cômicos.
- “Abusa” dos atores, em cenas onde eles são atingidos por árvores, pratos e outros objetos.
- Muitos de seus personagens são pessoas comuns que se envolvem em situações extraordinárias.
- Nos anos 80, dividiu um apartamento com Bruce Campbell, Scott Spiegel, Joel Coen, Ethan Coen, Holly Hunter, Frances McDormand e Kathy Bates.
- Tornou-se amigo de Stan Lee, quando se interessou em produzir uma versão para o cinema do personagem “Thor”, co-criado pelo escritor.
- Por não conseguir produzir uma versão do personagem “O Sombra”, lançou a sua própria versão de herói pulp em “Darkman – Vingança sem rosto”, em 1990.
- Seu menor orçamento foi em “Evil Dead”, com US $ 350.000 disponíveis e o maior foi em “Homem-Aranha 3”, com estimados U$ 350.000.000, o que torna o filme mais caro produzido até então .
- É o primeiro diretor a comandar três filmes baseados num super-herói.
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